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Na terceira idade menos músculos podem significar também menos independência, já que o corpo passa a ter força e mobilidade reduzida

Quando completa cerca de 50 anos de idade, o corpo humano intensifica um processo natural pouco agradável: a perda progressiva de massa muscular, chamada de sarcopenia.

E na terceira idade, menos músculos podem significar também menos independência, já que o corpo passa a ter força e mobilidade reduzida para subir escadas, carregar compras e até ter energia para as tarefas diárias, além de aumentar o risco de acidentes como quedas — e a capacidade do organismo para se recuperar deles.

Também é uma questão que afeta diretamente a saúde. Manter uma boa quantidade de massa muscular contribui para a prevenção de doenças crônicas como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares, quadros que se tornam mais comuns conforme as pessoas envelhecem.

“Muitas vezes, o músculo perdido é substituído por gordura corporal, reduzindo a força muscular e a mobilidade, ao mesmo tempo que desestrutura o metabolismo”, descreveu a geriatra norte-americana Gabrielle Lyon, autora do livro ‘A Revolução dos Músculos’, em entrevista recente à BBC News Brasil.

Especialistas consultados pela reportagem afirmam que a melhor estratégia para idosos construírem e manterem músculos parece muito com a usada em qualquer idade — e defendem que os resultados podem ser significativos para todos, sejam pessoas com 20 ou 80 anos.

Há, no entanto, algumas orientações específicas – considerando fatores como o tempo de recuperação muscular e o maior risco de lesão em pessoas com idade avançada – que podem ajudar a maximizar os ganhos musculares.

‘No pain, no gain’

Sem esforço, não há ganhos – e o aumento de massa muscular segue essa mesma regra.

Durante um treino de força, como o levantamento de pesos, as fibras musculares sofrem pequenas lesões. Depois, durante a recuperação, o corpo repara essas lesões e as fibras musculares se tornam mais fortes e maiores, resultando em ganho de massa muscular.

Mas esas lesões só acontecem se você desafiar as fibras musculares com um estímulo ao qual elas não estão acostumadas. Em outras palavras, o exercício precisa gerar desconforto.

As evidências científicas mostram que a forma mais eficiente de causar esse processo é treinar ‘até a falha’ – ou próximo a ela.

“Isso ocorre quando você sente desconforto e a velocidade do movimento diminui significativamente, até que não seja mais possível levantar aquele peso ou completar mais um movimento completo.”

Bons resultados, aponta o professor, também são alcançados quando se chega muito perto desse estado de ‘falha’.

O que não adianta é fazer um exercício que você considere fácil, esperando que ele traga bons resultados.

“Para ganhar massa muscular na terceira idade, é necessário incluir exercícios de alta intensidade na rotina. Não estou falando de altíssima intensidade, mas de uma intensidade suficientemente alta para promover adaptações musculares. Para uma pessoa sedentária, qualquer carga de musculação pode parecer desafiadora”, aponta Ricardo Guerra, professor do curso de Educação Física do Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo (ISS/Unifesp).

O problema, descreve o professor, é que muitas pessoas que começam a treinar mais velhas não tem qualquer experiência com treinos de força e, por isso, não seguem essa dinâmica corretamente na academia.

“Alguém pode ser instruído a fazer três séries de 12 repetições quando, na verdade, poderia realizar 20 repetições, porque o peso não está ajustado para atingir a falha nas 12 repetições. Assim, as pessoas tendem a demorar mais para obter resultados no ganho de massa muscular quando não têm um profissional ao lado para orientar.”

De acordo com os especialistas, é comum que as pessoas pensem que não é possível ganhar massa quando se é idoso.

“Mas vários estudos mostram que, sim, é possível construir músculos em idades mais avançadas. Mesmo pessoas com 90 anos podem responder ao treinamento de força e aumentar a massa muscular”, diz Eduardo de Souza.

dois homens idosos treinando com pesos em academia

Qual exercício vale?

“De maneira muito simples, a pessoa pode aumentar a massa muscular fazendo leg press dentro de uma academia, assim como fazendo séries de agachamentos com pesos dentro de casa”, indica o professor Eduardo de Souza.

O importante é que haja um estímulo que ofereça resistência aos músculos.

“Sabemos que atividades como caminhada e dança são populares entre idosos. São práticas ótimas para saúde mental e para a parte cardiovascular e circulatória. Em uma pessoa que era sedentária, essas modalidades podem até oferecer um pequeno ganho de músculo. Mas para continuar aumentando a massa, não tem outro caminho que não sejam exercícios de força”, descreve Ricardo Guerra.

De acordo com o professor, pensando na manutenção da autonomia e da qualidade de vida na terceira idade, é recomendável fazer exercícios multiarticulares.

“São aqueles que recrutam grandes grupos musculares. Esses exercícios promovem um fortalecimento mais completo e funcional do corpo, e vão ajudar em atividades diárias, como levantar sozinho e carregar as compras”, explica Ricardo Guerra, do Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo (ISS/Unifesp).

Alguns exemplos desses exercícios, são: agachamentos, levantamento terra, supino, remada, e desenvolvimento de ombros – todos movimentos bastante comuns em treinos de musculação.

“E importante considerar que os aparelhos de academia, ainda que alguns não trabalhem tantos músculos ao mesmo tempo quanto um exercício com o peso do corpo, oferecem uma segurança maior devido à sua estrutura.”

Em contraste, os pesos livres, apesar de mais desafiadores, não têm a mesma segurança integrada. É crucial ponderar as opções disponíveis e também levar em conta a recuperação muscular dos idosos ao planejar um programa de exercícios”, completa Guerra.

Os professores indicam, no entanto, que outras atividades físicas não precisam ser excluídas se a pessoa gosta de fazê-las.

“Precisamos considerar também as interações sociais que outras modalidades promovem, além dos ganhos para a saúde mental. É mais fácil que as pessoas continuem ativas se realmente gostam daquela atividade”, afirma Eduardo de Souza.

Dieta é tão decisiva quanto o treino

Outra medida essencial para o ganho de massa muscular é uma dieta equilibrada com enfoque especial nas proteínas.

De acordo com Sociedade Internacional de Nutrição e Esporte, para o crescimento muscular e manutenção da massa magra, juntamente com exercícios físicos, é necessária uma ingestão entre 1,4 e 2,0 gramas de proteína por kg diariamente.

Como base de comparação, um bife de carne bovina tem cerca de 26 gramas de proteína, e um filé de frango, 32.

Segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Estado de São Paulo (SBGG-SP), “não é raro que os idosos deixem de consumir uma quantidade desejável de proteína, aumentando assim o risco de sarcopenia e fragilidade.”

A instituição sugere que cada pessoa distribua alimentos com proteínas em todas as refeições possíveis e variando as fontes – ovos e leite são citados como boas opções.

Uma pessoa de 70 kg, então, precisaria de um consumo entre 98 e 140 gramas de proteína por dia.

Quando possível, o melhor é consultar um nutricionista, que poderá montar um plano alimentar levando em consideração as necessidades, tipos de atividades e objetivos de cada um.

Mulher idosa levantando pesos dentro de uma piscina

Recuperação muscular faz parte do ganho

A recomendação de frequência de treino, para ganhos efetivos, são de duas a três sessões por semana.

“Mas iniciar com uma sessão semanal já traz benefícios. Incentivar as pessoas a começar, mesmo que com uma frequência menor, é fundamental”, defende Eduardo de Souza.

O professor afirma que há poucos estudos focados na recuperação muscular de pessoas idosas, mas que esse é um fator que deve ser levado em conta.

“A capacidade de recuperação realmente é diferente, mais lenta. Se o treino for muito intenso ou de volume alto para aquela pessoa, pode causar uma dor muscular que dura de 48 a 72 horas. É importante respeitar o tempo de cada organismo e não oferecer estímulos demais, ainda mais se tratando de idosos, que são, por vezes, mais propensos a lesões”, afirma.

Conforme o corpo humano envelhece, há uma diminuição natural na produção de hormônios fundamentais para a regeneração muscular.

Além disso, o fluxo sanguíneo e a capacidade das células musculares de sintetizar proteínas diminuem com a idade, prejudicando a reparação dos músculos após lesões ou atividades intensas.

Os idosos também são mais propensos a lesões devido aos processos naturais de sarcopenia (perda de massa muscular), osteoporose (à diminuição da densidade óssea) e redução na elasticidade dos tecidos conjuntivos.

“Cada pessoa tem uma condição única, e se o indivíduo não se sentir bem ou não se recuperar adequadamente, em vez de ajudar, pode acabar atrapalhando os resultados. Se um idoso não está se recuperando bem, talvez o melhor seja menos sessões ou com menor duração, até que o condicionamento melhore e a recuperação se torne mais eficiente”, afirma Guerra.