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IA chegou para ficar e iniciativas usando a tecnologia têm aparecido cada vez mais
Novas carreiras estão nascendo e a tecnologia “está fazendo evoluir as profissões tradicionais em absolutamente todos os setores”. É o que diz Elena Ibáñez, CEO da Singularity Experts, uma startup que fornece consultoria sobre o mercado de trabalho.
“Há muitos estudos que dizem que a Inteligência Artificial (IA) está criando mais empregos do que destruindo”, afirma à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC).
A questão, diz a especialista, não é para onde apontam as oportunidades de trabalho, mas em que devemos nos especializar dentro de nossas profissões para aproveitar as oportunidades que a IA está gerando.
“O que estamos vendo no mercado, especialmente quando conversamos com clientes tanto do setor de tecnologia quanto de indústrias mais tradicionais, não é que a IA esteja vindo para destruir empregos”, disse Francisco Scasera, líder de tecnologia na Argentina na empresa de recrutamento Michael Page.
“Provavelmente ainda pensamos em humanos para tarefas básicas demais. Acho que o grande desafio é fazer com que os cargos que já existem evoluam para ter uma valorização diferente. A IA pode cuidar disso.”
Acreditar que a IA é uma questão apenas do Vale do Silício e das grandes tecnologias é não enxergar a realidade por completo.
Em 2022, por exemplo, o Departamento de Operações de Manutenção de Paz da ONU procurava um especialista em IA e Machine Learning (aprendizado de máquina). O Instituto Inter-regional de Pesquisa para o Crime e Justiça das Nações Unidas (UNICRI) tem um Centro de IA e Robótica.
‘Imparável’
Apesar da perspectiva negativa com que muitas pessoas veem a IA, não só devido ao seu efeito no mercado de trabalho, mas também devido ao poder que temem que ela possa desenvolver, nem todos enxergam apenas o lado ruim.
Embora o Fórum Econômico Mundial tenha indicado, em um relatório de 2020, que a força de trabalho estava se tornando automatizada “mais rapidamente do que o esperado, deslocando 85 milhões de empregos” até 2025, observou que “a revolução robótica criará 97 milhões de novos empregos”.
Em abril, Gilbert F. Houngbo, diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi contundente: “A Inteligência Artificial é imparável. Temos que aceitar que isso irá cada vez mais longe.”
“Mas, de modo geral, os avanços tecnológicos e digitais criam frequentemente mais empregos do que são eliminados. Sabemos disso”, disse à agência de notícias EFE.
“Não é o fim do trabalho”, disse Janine Berg, economista da OIT, à BBC Mundo. “Trata-se de incorporar esta tecnologia para nos tornar mais eficientes, para nos ajudar a fazer nosso trabalho.”
O especialista reconhece que “há muitas pessoas que estão formando sistemas de IA, em determinadas empresas, cujas condições de trabalho não são tão boas”.
Este é um dos muitos desafios que esse setor enfrenta: as centenas de milhares de trabalhadores, muitos deles de baixa renda e em países pobres, sem os quais vários sistemas de IA não existiriam.
Apesar das muitas controvérsias, a IA já está integrada em nossas vidas.
“O importante é se sentir confortável com a tecnologia e isso não significa ter que estudar programação, mas sim ter consciência de que no mercado de trabalho os empregadores vão procurar pessoas que usem a IA como ferramenta para o seu trabalho, para ser mais produtivo”.
E, segundo Berg, não é necessário fazer especializações caras no exterior, já que na América Latina existem centros de estudos e iniciativas de formação sintonizadas com as demandas do mercado.
“O segredo é estar disposto a aprender e fazer perguntas.”
Listamos a seguir sobre alguns empregos que estão sendo criados na área de IA:
1. Engenheiro de prompts
O prompt engineer, ou engenheiro de prompts, é a pessoa que projeta prompts, solicitações, instruções ou premissas, para posteriormente enviar para uma ferramenta de IA.
A chave para que os vários modelos de IA generativa respondam aos pedidos dos usuários com o melhor resultado possível depende, em grande parte, da capacidade do engenheiro de desenvolver instruções realmente eficazes (em forma de texto), nas quais a precisão e o contexto são essenciais.
Em março, o Fórum Econômico Mundial listou a profissão como parte dos “3 empregos novos e emergentes”, enquanto a publicação Business Insider classifica a engenharia de prompt como uma das áreas mais interessantes da IA generativa.
A Forbes e a Universidade Arizona State ainda chamaram o posto de “um dos novos empregos mais quentes”.
Em abril, a revista Time observou que esse tipo de trabalho não exigia “um diploma em engenharia da computação, nem mesmo habilidades avançadas de programação”.
E embora algumas fontes concordem que não é imprescindível ter formação tecnológica e destaquem que a chave para esta posição é ter competências como pensamento crítico, análise de dados e criatividade, diversas ofertas de emprego encontradas pela BBC Mundo também pedem o conhecimento de programação em linguagens como Python e TensorFlow, além de experiência com modelos de aprendizado de máquina.
Nem todos os especialistas, no entanto, encaram a engenharia de prompt com entusiasmo desenfreado. Para muitos, é uma ocupação que pode ter vida curta devido ao rápido avanço da IA.
“Tenho uma forte suspeita de que a ‘engenharia de prompt’ não será um grande negócio no longo prazo… não é o trabalho do futuro”, escreveu Ethan Mollick, professor associado da Universidade da Pensilvânia, no X (antigo Twitter).
Outros veem o conhecimento na área como uma forma dos candidatos serem mais competitivos, assim como o conhecimento em Microsoft Excel foi no passado.
“Dizem que se você for bom em engenharia de prompt, poderá evitar ser substituído pela IA e poderá até almejar um salário mais alto. Mas ainda não se sabe se esse continuará a ser o caso”, escreveu Richard Fisher, autor e editor da BBC Future.
2. Pesquisador de IA
O papel desse profissional é identificar maneiras de usar a IA para superar problemas e limitações que as organizações possuem.
Quem ocupa esse cargo é especialista em “compreender grandes conjuntos de dados e transformar esse aprendizado em ideias e planos para desenvolver novas tecnologias de IA para as quais os cientistas de dados darão vida”, segundo a Universidade de Leeds (Reino Unido).
Um pesquisador de IA deve possuir o que chamamos de soft skills, aquelas que estão relacionadas à inteligência emocional, pensamento crítico, resiliência, adaptabilidade, entre outras.
São competências fundamentais, segundo a instituição acadêmica, porque o seu “papel envolverá brainstorming frequente para encontrar novos métodos e abordagens”.
Tecnicamente, “habilidades matemáticas para usar estatísticas e prever como os programas de IA serão executados, e a capacidade de analisar dados com experiência em ferramentas como RapidMiner ou SketchEngine” também serão importantes.
Para Ibáñez, esse profissional deve ser especialista em três áreas: engenharia de software, estatística e negócios.
“Ou seja, é um perfil muito completo que aplica todo o seu conhecimento técnico para melhorar um negócio.”
3. Especialista em Processamento de Linguagem Natural (PLN)
É o especialista que domina os modelos linguísticos e apoia a equipe de desenvolvimento de software no processamento da linguagem, explicam analistas.
Normalmente, é necessária uma licenciatura em Filologia, Linguística ou Tradução e Interpretação.
E, embora não exija conhecimentos tecnológicos profundos, especializações em Processamento de Linguagem Natural ou mestrado em Linguística Computacional podem enriquecer o perfil do candidato.
A Linguística Computacional, que é um campo interdisciplinar que nos acompanha há décadas, busca traduzir a lógica da linguagem escrita e falada em máquinas para que posteriormente, por meio do treinamento de modelos, elas possam executar tarefas.
Por isso, não existem apenas cientistas de dados e desenvolvedores de software por trás dos chatbots, mas também membros de outras disciplinas humanísticas, como Filosofia e Psicologia.
4. Especialista em Automação de Processos Robóticos ou RPA (Robotic Process Automation)
Trata-se do gerenciamento de sistemas de software que automatizam tarefas repetitivas e manuais em uma empresa.
Segundo Ibáñez, para se formar nessa área, existem diversas graduações como Programação e, principalmente, especializações relacionadas a RPA (Robotic Process Automation ou Automação de Processos Robóticos).
Empresas como a Microsoft associam a adoção de RPA pelas organizações a aumentos de produtividade.
“O RPA beneficia o seu negócio ao automatizar diversas atividades, incluindo transferência de dados, atualização de perfil de cliente, entrada de dados, gerenciamento de estoque e outras tarefas mais complexas”, afirma em seu site.
5. Auditor de algoritmos
Ibáñez explica que este trabalhador analisa algoritmos de sistemas ou aplicativos para garantir que estejam livres de preconceitos que discriminem as pessoas com base em gênero, raça, idade etc.
É preciso tanto uma formação técnica (Desenvolvimento de software, Informática) quanto uma preparação mais humanística que se aprofunda na ética.
Na verdade, os auditores de algoritmos devem ter uma compreensão prática de como os algoritmos podem afetar as pessoas.
Daí a importância de trabalhar em estreita colaboração com os cientistas de dados para rever regularmente os algoritmos, garantir que “são transparentes, justos e explicáveis” e que, uma vez publicados, mantêm a imparcialidade, diz a Singularity Experts.
“Além disso, fornecerá recomendações aos desenvolvedores sobre como tornar o modelo mais ético e compreensível para a população”.
6. Especialista em Ética e Direito com conhecimento de IA
“Independentemente de onde você esteja na cadeia da IA, quer você produza a tecnologia, use-a ou crie conteúdo para treiná-la, é importante que você tenha ao seu lado advogados e especialistas em ética com experiência em IA”, disse à BBC Mundo Mathilde Pavis, professora associada da Faculdade de Direito da Universidade de Reading, na Inglaterra.
“Isso permitirá que você tenha certeza de que não está fazendo algo que mais tarde terá que ser removido.”
Como especialista em direito de propriedade intelectual, ética e novas tecnologias, Pavis também aconselha governos, organizações e empresas sobre o impacto da IA no tratamento de dados sensíveis.
Ela afirma que algumas das principais questões que a IA gera são: os direitos de propriedade intelectual são violados quando ela é treinada com informações que estão na internet ou nas redes sociais? Fazer isso viola os direitos à privacidade?
“Obviamente, existe um risco potencial de que a tecnologia que você desenvolve seja mal utilizada por terceiros, mesmo que essa nunca tenha sido sua intenção”, alerta a professora. “Que seja utilizado, por exemplo, para difundir informações falsas, cometer fraudes, desestabilizar eleições.”
Por este motivo, é fundamental que sejam implementados desde o início mecanismos de controle relativos ao impacto legal, social e ético da tecnologia de IA que é criada ou utilizada.
E esse é um dos campos do Direito que a IA está abrindo.
São necessários advogados que possam compreender e conectar dois mundos: o do Direito Comercial, que inclui a propriedade intelectual; e o do Direito Penal e da Cibersegurança.
São mundos que normalmente não se comunicam entre si. Mas, “a IA oscila nesse espectro: é um produto com grande potencial comercial e, ao mesmo tempo, potencial para uso indevido”.
Um advogado que queira se aventurar na área da IA deve, por exemplo, aconselhar uma empresa que queira trazer “um grande produto, uma inovação em IA, para o mercado”, com o enquadramento jurídico comercial e com o enquadramento regulatório da internet.
Pavis é especializada no uso de IA nas indústrias criativas. Mais especificamente, nos conteúdos gerados com IA: vozes e rostos, a “clonagem digital de seres humanos”.
Ele presta consultoria a startups que “querem ter certeza” de que a tecnologia de clonagem que estão desenvolvendo não infringe a lei.
“Também trabalho com artistas que desejam participar da ‘revolução da IA’, mas querem ter certeza de que os recursos que eles trazem para a mesa – as gravações de suas vozes, suas performances – não estão sendo mal utilizados ou que, de alguma forma, eles se tornem seus próprios concorrentes no mercado”.
“E também trabalho com empresas e meios de comunicação que desejam encomendar produtos que envolvam IA, mas querem garantir que tudo seja feito de maneira adequada e ética”, finaliza.