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Setor agora trabalha para mitigar mudança e impedir que atraso no aumento da tarifa leve à retração de investimentos
O setor de saneamento básico perdeu todas as desonerações na reforma tributária e começou o ano em busca de alternativas para dirimir os impactos. Com a mudança, a alíquota -atualmente de 9,25%- tende a subir para 27%, o valor cheio estimado, com impactos sobre a conta de água e esgoto e riscos para os investimentos.
Pela regra atual, em relação ao consumo, o setor paga apenas tributos federas, PIS e Cofins. Está isento do ICMS estadual e do ISS municipal. O texto da reforma que implementa o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual prevê que o setor pagará não apenas o CBS federal, mas também o IBS para estados e municípios (dois tributos sobre bens e serviços).
“Como as empresas de saneamento são fornecedoras para outras empresas, elas terão crédito a compensar, o que reduz um pouco o impacto, mas com certeza esse setor vai ter aumento de carga tributária, e as empresas estão preocupadas”, diz Douglas Mota, sócio da área tributária do Demarest Advogados.
“Para saber o valor exato precisamos esperar os detalhes das leis complementares, uma discussão que pode se prolongar por 2024 e 2025.”
As projeções iniciais, porém, apontam que, já considerando os créditos, o imposto sobre os serviços de água e esgoto vai pelo menos dobrar e levar a um aumento médio de 18% na tarifa, segundo a Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto) e a Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento).
A velocidade e o montante desse repasse para a tarifa, no entanto, são incertos, afirmam os especialistas, e é isso que pode comprometer os investimentos, que hoje estão em expansão.
Aumento de carga tributária é um custo adicional para as empresas. A lei de concessão garante que esse tipo de despesa pode ser repassada para o consumidor como alternativa de reequilíbrio dos contratos das operadoras que assumiram a prestação do serviço, sejam públicas, sejam privadas.
Quanto menor for o reajuste e mais longo o prazo até o reequilíbrio do contrato, pior para os investimentos, explicam especialistas. Para cobrir a nova despesa tributária, as empresas tendem a usar justamente esse recurso.
No cenário mais crítico, o de represamento total do repasse, o investimento cairia até 40%, segundo projeções elaboradas pela consultoria GO Associados e divulgadas em documento conjunto por Abcon Sindcon e a Aesbe.
“A gente que tem cultura geral e experiência no setor sabe que não basta pedir o reequilíbrio do contrato, porque, na prática, não são feitos na velocidade que deveriam. Se o prefeito precisar, segura mesmo um reajuste, mesmo que afete o balanço e a capacidade de investimento de uma empresa”, afirma o advogado Luis Felipe Valerim, sócio da XVV Advogados e professor da FGV Direito SP.
“Saneamento, por ser municipal, tem um risco regulatório e político maior que outros segmentos da infraestrutura, que são regidos por órgãos e regulação federais, longe da esfera do poder local”, diz.
Nesse aspecto federativo, também pesa a pulverização regulatória.
Empresas de energia, telecomunicações e rodovias, por exemplo, estão na esfera federal e respondem setorialmente a uma única agência reguladora, o que facilita a avaliação e a aplicação das normas.
No caso do saneamento, existem 97 agências reguladoras municipais com autonomia para fazer suas análises.
“Estamos prevendo uma guerra no âmbito regulatório que, se não solucionada, pode ir para o âmbito judicial, o que tem trazido bastante insegurança”, afirma o diretor-executivo da Abcon Sindcon, Percy Soares Neto.
O setor tenta sensibilizar congressistas e também o governo para amenizar os impactos do aumento de carga via adaptações na legislação complementar. Já houve um encontro com o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, e o governo se comprometeram a criar um grupo de trabalho para estudar mitigações.
“Temos feito várias discussões técnicas com o Ministério da Fazenda, que demonstra compreensão com o problema”, afirma Soares Neto.
“Discutimos um mecanismo de cashback [devolução] para o imposto na tarifa social. Isso tende a ajudar. Também há uma análise sobre desoneração de bens de capital, porque todo nosso investimento é, de certa forma, compra de bens de capital. Tem ainda um diálogo sobre mecanismos de créditos tributários, que pode aliviar o impacto. Ou seja, a conta final não está fechada.”
Na avaliação do presidente da Aesbe, Neuri Freitas, a decisão da Câmara mostra que a maioria continua ignorando a importância do saneamento básico e, quando o aumento da tarifa vier, deve ficar claro de onde saiu.
“A população precisa ter consciência de que água e esgoto vão ficar mais caros por causa do aumento na tributação decidido na Câmara.”
O Senado havia incluído saneamento no regime que prevê alíquota menor, numa equiparação com a saúde, mas a proposição foi excluída do relatório final na outra Casa.
“Os políticos gostam de dizer que saneamento é saúde, mas acho que os deputados não podem mais falar isso depois de negarem a equiparação tributária do saneamento com a saúde”, afirma Freitas.
“Confesso que fiquei perplexo. As empresas do setor precisam investir R$ 900 bilhões em dez anos para cumprir a meta de saneamento e fazem uma coisa dessas.”
Na avaliação de Claudio Frischtak, sócio da consultoria internacional de negócios Inter.B, especializada em investimentos de infraestrutura, o novo Marco Legal do Saneamento deu previsibilidade para os investimentos e a mudança tributária não vai afetar os desembolsos se houver segurança jurídica.
“Precisava ter exceções setoriais na reforma tributária? Eu acho que não. Já que teve, o saneamento é meritório para receber? Sim, mas não recebeu. Agora, o problema que pode comprometer os investimentos não é a tributação, mas a regulação”, afirma.
“Havendo aumento da alíquota, as empresas vão pedir e devem receber a repactuação dos contratos. Isso é líquido e certo do ponto de vista legal, em qualquer lugar do Brasil. Então, é preciso garantir o repasse para a tarifa, o reequilíbrio dos contratos, de forma a não comprometer a geração de caixa das empresas.”
Frischtak lembra que o consumidor de baixa renda está protegido dos aumentos pela tarifa social, e que o consumidor que pode pagar, diante do aumento, talvez economize água, uma iniciativa que o meio ambiente agradece.
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