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Enchentes devastadoras que atingiram a Líbia deixaram ao menos 5.300 mortos na cidade portuária de Derna e mais de 10 mil desaparecidos no país, disse o ministro da Aviação Civil Hichem Abu Chkiouat.
Segundo ele, o número de mortes deverá aumentar, podendo até duplicar.
“O mar está despejando dezenas de corpos constantemente”, afirmou o ministro à agência de notícias Reuters, acrescentando que a reconstrução da cidade custaria bilhões de dólares.
Equipes estão lutando para resgatar os corpos das vítimas, que foram arrastadas para o mar em enchentes semelhantes a um tsunami.
As inundações romperam duas barragens e derrubaram quatro pontes em Derna, o que fez a cidade — a mais afetada na Líbia — praticamente submergir quando o furacão Daniel atingiu o país no domingo (10/09).
“A devastação é tão profunda que algumas áreas desapareceram, desapareceram completamente”, disse o ministro Hichem Abu Chkiouat à BBC.
“Nunca vi nada assim antes. É sem dúvida um tsunami.”
Ajuda internacional começa a chegar no país, mas os esforços de resgate estão sendo dificultados pela situação política na Líbia, que é dividida entre dois governos rivais (leia mais abaixo).
A União Europeia afirma que assistência da Alemanha, Romênia e Finlândia está a caminho da Líbia.
As Nações Unidas prometeram 10 milhões de dólares (R$ 50 milhões) e diversos outros países ofereceram ajuda, entre eles Argélia, Turquia, Itália, Qatar, Egito, Emirados Árabes Unidos e Tunísia.
A França vai enviar um hospital de campanha capaz de tratar 500 pessoas por dia.
O governo internacionalmente reconhecido da Líbia (veja mais abaixo), na capital Trípoli, disse anteriormente que a ajuda externa só seria aceita quando “necessária”.
‘Retrocesso de anos’
Para Ahmed Bayram, da equipe de resposta do Conselho Norueguês para os Refugiados na Líbia, a tragédia deve ampliar a intensa crise que já afeta o país.
“Isto fará a Líbia retroceder anos”, disse o funcionário da ONG europeia na Líbia.
Vídeos gravados após o anoitecer de domingo mostram um “rio” formado pelas enchentes atravessando a cidade, enquanto carros se movimentam indefesos na correnteza. O país também sofreu com deslizamentos.
Há histórias de pessoas que foram arrastadas para o mar, enquanto outras se agarraram aos telhados para sobreviver.
“Fiquei chocado com o que vi, era como um tsunami”, disse Hisham Chkiouat, do governo que controla o leste da Líbia.
No leste, as cidades de Benghazi, Soussa e Al-Marj foram fortemente afetadas. A cidade de Misrata, no oeste, também foi atingida.
“Todos dizem que parece o apocalipse. Os gritos das crianças, os cadáveres nas ruas”, disse à BBC Johr Ali, um jornalista líbio que está em Istambul, mas cuja família ainda está na Líbia.
Ali diz que falou com uma família que foi a única que sobreviveu às inundações em um bairro.
“Eles contaram que quando as enchentes baixaram, a água revelou o corpo de uma mulher que ficou pendurada em um poste de luz. Ela acabou morrendo lá.”
Kasim Al-Qatani, um trabalhador humanitário atuando na cidade de Bayda, disse à BBC que é difícil para as equipes de resgate chegarem a Derna, já que a maioria das vias para a cidade estão bloqueadas “devido aos enormes danos”.
Além disso, ele diz que falta água potável na cidade, que sofre também com a falta de suprimentos médicos.
Al-Qatani relata que o único hospital em Derna não consegue mais receber pacientes porque “há mais de 700 cadáveres esperando no hospital e ele não é tão grande assim”.
Foi iniciada uma investigação sobre a razão pela qual as inundações causaram tamanha devastação.
Especialistas em engenharia hídrica disseram à BBC que é provável que uma barragem superior, a cerca de 12 km da cidade, tenha falhado primeiro, fazendo sua água jorrar em direção à segunda barragem, mais perto da área populosa de Derna.
País dividido
Rico em petróleo, o país do norte de África foi dividido entre facções concorrentes desde a derrubada do antigo líder Muammar Gaddafi.
O coronel Gaddafi governou a Líbia de maneira autocrática por quatro décadas, até ser deposto e morto em uma rebelião apoiada por potências ocidentais em 2011.
Novos confrontos eclodiram em 2014, com a Líbia dividida entre duas administrações – uma com base no leste e outra no oeste, onde fica a capital Trípoli. Os dois lados assinaram um cessar-fogo em 2020, mas as disputas políticas continuam.
Em 2021, foi formado um Governo de Unidade Nacional em Trípoli, com Abdul Hamid Dbeibeh como primeiro-ministro reconhecido internacionalmente.
Mas no ano seguinte o parlamento baseado no leste formou um Governo rival – e com um nome bastante semelhante – de Governo de Estabilidade Nacional.
A contínua polarização entre estes dois governos que afirmam ser os governantes legítimos do país dificulta esforços internacionais de paz.
Segundo o jornalista líbio Abdulkader Assad, essa divisão dificulta os esforços de resgate, uma vez que as diversas autoridades não conseguem responder com agilidade a uma catástrofe natural.
“Não há equipes de resgate treinadas na Líbia. Tudo nos últimos 12 anos girou em torno da guerra”, disse ele à BBC.
A administração com sede em Trípoli enviou um avião com 14 toneladas de suprimentos médicos, sacos para cadáveres e mais de 80 médicos e paramédicos.
O enviado especial dos EUA à Líbia, Richard Norton, disse que Washington enviará ajuda ao leste da Líbia em coordenação com os parceiros da ONU e as autoridades líbias.
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