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Falando sobre o sofrimento de ser um albino na Somália, Elmi Bile Mohamed, de 25 anos, relata um estigma terrível. “As pessoas me dizem que sou um canibal e que comerei suas crianças.”
Mohamed tem lutado para encontrar um lugar para viver na capital do país, Mogadíscio, desde que deixou a sua casa na região de Hiraan. Seus irmãos também sofrem com a condição.
“Fomos continuamente insultados e torturados pela nossa comunidade. Fomos espancados e ridicularizados pela cor clara da nossa pele, cabelo e olhos”, diz ele.
“Pensei que encontraria uma vida melhor em Mogadíscio, mas me enganei.”
Mohamed procurou bastante por um quarto numa casa compartilhada, mas foi sempre rejeitado.
Ele acabou pagando US$ 30 (R$ 149) por mês para morar em um galpão no distrito de Hamar Weyne, na parte mais antiga da cidade.
“As pessoas pensam que estou amaldiçoado”, diz ele. “Eles costumam jogar uma mistura de água salgada e ovos crus na minha porta porque acreditam que isso os protegerá de mim.”
Mohamed acabou encontrando um emprego como faxineiro em um restaurante, ganhando entre US$ 1,40 e US$ 4 por dia.
Não durou muito.
Ele foi demitido depois que os clientes pararam de comer lá, dizendo temer que ele os infectasse com albinismo, embora não seja uma doença contagiosa, mas sim uma condição genética.
“Fui de restaurante em restaurante à procura de outro emprego, mas ninguém me empregava”, diz ele. “Acabei mendigando nas ruas, segurando um cartaz com meu número de telefone para que as pessoas pudessem fazer doações por meio de pagamentos móveis.”
O dinheiro que ganha mendigando raramente é suficiente para cobrir as refeições e o aluguel, muito menos o protetor solar e os óculos de que necessita para proteger a pele e os olhos sensíveis.
Pessoas com albinismo têm pouca ou nenhuma melanina, o pigmento que dá cor aos olhos, cabelos e pele, e que oferece proteção contra o sol.
“Não tenho dinheiro para comprar óculos de sol”, diz Mohamed. “Há muita poeira e tráfego altamente poluente no mercado onde peço dinheiro. Meus olhos estão constantemente em agonia e minha visão está se deteriorando rapidamente.”
“Às vezes as pessoas me dão as sobras para comer. Outras vezes não tenho nada.”
Os sonhos de Mohamed de fugir para Mogadíscio para ganhar dinheiro e mandar à sua família, especialmente aos seus irmãos albinos, foram destruídos.
‘Motivo do ódio é a ignorância’
Não se sabe quantas pessoas com albinismo vivem na Somália, pois não há dados disponíveis.
O país tem sido afetado por conflitos e instabilidade há mais de três décadas, o que torna impossível obter informações confiáveis.
No início deste ano, cerca de 80 famílias que vivem com albinismo em Mogadíscio se uniram para formar uma associação, Somali Albinos, com que esperam aumentar a conscientização sobre sua situação e ajudar a reduzir o estigma.
Até agora, receberam 86 frascos de protetor solar de mulheres somalis que vivem em outros países.
Recomenda-se que as pessoas com albinismo usem protetor solar de alto fator, roupas protetoras e óculos de sol para reduzir a exposição à luz solar.
A falta de melanina significa que correm maior risco de sofrer queimaduras solares e câncer de pele.
Também causa problemas oculares, pois a melanina está envolvida no desenvolvimento da retina, a fina camada de células na parte posterior do olho.
“Outros somalis com deficiência formaram organizações que fazem lobby pela ajuda do governo e de organizações internacionais”, diz o presidente do grupo, Mohamed Abukar Abdiqadir, de 40 anos. “Eles agora têm direitos. Nós, não.”
“Fui eleito líder da nossa associação porque sou um herói e nunca desisto”, diz Abdiqadir, que tem seis filhos. Tal como ele, todos vivem com albinismo.
Ele ganha a vida vendendo alimentos secos e enlatados em um carrinho no mercado Hamar Weyne. Ele sempre usa chapéu para se proteger do sol forte.
“A razão pela qual as pessoas nos odeiam e temem é a ignorância”, diz ele.
“O mal e a discriminação que enfrentamos não devem nos impedir de lutar pelos nossos direitos e de alimentar as nossas famílias. Se os somalis aprenderem sobre o albinismo, perceberão que somos pessoas como eles.”
Por enquanto, o preconceito contra as pessoas com albinismo é tão grave que as crianças com essa condição raramente vão à escola.
“Tirei os meus filhos da escola porque eles eram apedrejados todos os dias”, diz Asha Gele, que tem dois filhos com albinismo.
“Suas peles delicadas foram gravemente danificadas pelas pedras que as pessoas atiraram neles, então agora eu os mantenho dentro de casa o dia todo, todos os dias”, diz ela. “”les não receberão educação, não aprenderão a brincar com outras crianças, mas pelo menos estarão seguros”.
A família paga US$ 40 por mês para morar em uma propriedade improvisada de dois cômodos no distrito de Huriwa, no norte de Mogadíscio.
Suas paredes e telhado são construídos com tecidos velhos e folhas de ferro quebradas e enferrujadas, o que não é suficiente para impedir que a luz do sol penetre e queime a pele das crianças.
“Eu costumava ganhar um dinheiro decente vendendo vegetais no mercado”, diz Gele. “Tive que desistir do meu negócio para ficar em casa com meus filhos. Agora lutamos para sobreviver com os US$ 4 a US$ 6 que meu marido ganha diariamente como motorista de riquixá”.
A senhora Gele diz que o seu casamento está desmoronando porque seu marido a culpa por dar à luz crianças com albinismo. Ele a acusa de trazer azar para a família.
“As pessoas que mais amo – meu marido e meus parentes – evitam meus filhos. Meu próprio irmão mantém distância porque acredita que eles irão infectá-lo com albinismo”, diz ela.
“Mas sempre estarei ao lado deles e os defenderei, não importa o que aconteça. Serei paciente e nunca os negligenciarei. Eles não escolheram viver assim.”
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