Se depender do artesão Celso Elias Farah, que há 44 anos mora no Boqueirão, não haverá mais embalagens longa vida indevidamente jogadas na natureza nem abarrotando os caminhões da coleta de lixo reciclável. Tudo porque, há cerca de 15 anos, ele começou a desenvolver uma técnica construtiva inovadora: a massa que, além de milhares de unidades dessas caixas vazias e rigorosamente picadas, leva sobras de demolição reduzidas quase a grãos de areia, cimento e água da chuva.

A casa de Farah e da mulher, Diva, não tem paredes ou muros pintados e é uma vitrine desse trabalho que ele, aos 74 anos, pacientemente executa. “Acho que cobri essas paredes com uns 200 mil tijolinhos que eu mesmo fiz e instalei. Sei que é uma gota para o futuro do planeta, mas é a minha contribuição. Tudo o que está aqui não vai poluir”, diz, mostrando as paredes externas e internas da casa, situada na esquina das ruas Anne Frank com Bley Zornig, e o estoque do material, disponível para quem se interessar.

Os “tijolinhos” a que o artesão se refere servem de revestimento. Como as peças maiores, que podem ser encontradas em paredes e escadas e são grandes como tijolos de argila, eles levam em sua composição minúsculos pedaços das caixas, picados à tesoura pelo próprio artesão. Tudo é moldado em caixas de leite longa vida vazias e usadas uma única vez.

Tudo se aproveita

Nada é desperdiçado ou vira lixo. As embalagens que servem de molde também são reaproveitadas como ingrediente da massa, que dará origem a novos tijolos e ladrilhos. As tampas plásticas são doadas para ação social e a água da chuva, coletada na cisterna revestida com os ladrilhos ecológicos criados por Farah, dá liga à massa.

Nem tudo, porém, vira insumo para construção civil. Parte das embalagens é destinada à decoração da residência e mostra a criatividade do artesão.

No sótão onde Farah e a mulher jogam pingue-pongue todas as tardes, as janelas são cobertas por coloridas cortinas feitas com folhas originadas das embalagens abertas e pacientemente enroladas, uma a uma. Os rolinhos resultantes dessa operação são colados com fita adesiva resistente e, como se fossem fios, unidos no sentido do comprimento e fixados às janelas com linha de pesca que passa pelo centro de cada um. E formando uma espécie de pequenas esteiras, os mesmos rolinhos se tornam almofadas para sofás e cadeiras.

É das janelas vedadas por essas cortinas que se veem, no quintal, mais exemplos da criatividade do artesão: bancos construídos para a neta, a cisterna para coleta de água da chuva, uma mesa fixa e casinhas para cachorros – tudo usando o mesmo material construtivo ecológico.

Sem ambicionar lucro, Farah revela que gostaria de ver sua criação aproveitada em outros espaços. “Quem sabe seja possível instalar em algum local público ou ensinar a técnica para os presos ocuparem o tempo deles”, diz, referindo-se aos detentos do sistema penal.